O Pensador

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A valiosa teimosia dos venezuelanos





A Venezuela, hoje, é onde a América Latina ousa ir mais longe no aprendizado para o socialismo.

Não é um caminho de flores.

Nunca foi.

Nunca será. 










15/04/2013

A valiosa teimosia dos venezuelanos


A Venezuela está longe de ser a sucursal do paraíso na terra. Mesmo assim, ainda que por uma diferença pequena de votos, seu povo insiste em avançar na contracorrente das advertências oferecidas, entre outros, pela mídia brasileira e por seu colunismo isento, arguto e atilado.

Na Folha deste domingo, Eliane Cantanhêde, por exemplo, salientava que desde 1999 vem alertando para a crise final do processo bolivariano.

E não é que passados 14 anos de erros e acertos, golpe de direita, sabotagens, cerco midiático mundial, 17 consultas eleitorais vitoriosas e a incerteza trazida pela dramática morte de Chávez, ainda assim, na 18ª ida às urnas, 50,6% votaram pela continuidade da luta, com Maduro?

Por que tanta e tão longa insensatez?

Alguns detalhes escapam - lá, como cá - aos analistas de larga visão.

Quase a metade da população urbana da Venezuela vivia entre a pobreza e a miséria em 1999, quando tudo começou, lembra Gilberto Maringoni, direto de Caracas (leia nesta pág).

Hoje, esse percentual caiu a 28%.

A capital venezuelana é conhecida pelo elevado grau de criminalidade. Mas entre as 26 principais cidades da América Latina, é a que apresenta a menor taxa de desigualdade de renda.

Na Venezuela, mais de 80% das residência são de propriedade dos seus moradores.

Na prestigiada Colômbia, essa taxa é inferior a 50%.

Cerca de 95% dos lares venezuelanos têm saneamento básico...

É suficiente? Não.

Mas são marcos de um processo inconcluso, que a maioria decidiu continuar.

O que ela decidiu continuar, sob circunstâncias arestosas, digamos assim, não é pouco.

A Venezuela, hoje, é onde a América Latina ousa ir mais longe no aprendizado para o socialismo.

Não é um caminho de flores.

Nunca foi.

Nunca será.

Aqui, a insurreição armada de Che Guevara fracassou, em outubro de 1967, na Bolívia.

Aqui, a via democrática de Salvador Allende para o socialismo foi massacrada, em setembro de 1973, no Chile.

Desde então, o socialismo passou a figurar no discurso progressista hegemônico – o que não implica negligenciar as posições minoritárias à esquerda dele – como a margem de um rio desprovida de pontes e embarcações de acesso.

O ciclo de regressividade neoliberal parecia ter implodido as pontes e queimado todas as caravelas, sem chance de uma nova travessia.

O revés mercadista lubrificou o acanhamento de uns e a rendição mercadista de outros.

Reduziu-se o socialismo a um horizonte imaginário pouco, ou nunca, articulado às ações da realidade presente.

A tese da radicalização da democracia política ocupou esse espaço como uma legenda-ônibus, recheada da difusa intenção de erguer pinguelas sobre um vazio estratégico. (Leia o Blog do Emir sobre esse vácuo de formulação programática).

Esse buraco está prestes a completar 45 anos.

O debate sobre os erros do processo e, sobretudo, a busca de alternativas, devem ser retomados à luz da nova realidade recortada por um duplo divisor: a emergência de um colar de governos progressistas na região e o desmanche planetário da ordem neoliberal.

Mas até a ascensão de Chávez, eleito pela primeira vez, em 1998, nunca mais o socialismo havia sido reconsiderado como projeto de governo e horizonte concreto para superar os conflitos e contradições da luta por igualdade social e desenvolvimento na América Latina.

É evidente que uma Venezuela sozinha jamais será socialista.

O que o processo bolivariano evidencia –e a eleição apertada de Maduro é um testemunho-- são as possibilidades, limites e riscos de retrocesso de um estirão pioneiro.

Não se trata de pedir aos venezuelanos que parem a sua história.

Antes, cabe perguntar o que mais o processo de integração latino-americano pode fazer para ancorar o seu percurso.

Temos todos a aprender com os avanços e tropeços dessa experiência.

Por isso, entre outras razões, é preciso defender o seu direito de prosseguir. E contribuir para que ela não retroceda.

Maduro não é Chávez.

Mesmo que fosse, os sinais de que uma etapa se esgotou são ostensivos.

O povo venezuelano há 14 anos dá mostras de sua pertinácia.

Mas sua coragem não pode mais ser a única fiadora do resgate de uma agenda que interessa a todos os democratas e progressistas da região.

Não fosse por outro motivo, porque seu eventual fracasso não ficará circunscrito às fronteiras do chavismo.

Postado por Saul Leblon às 09:52

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